sábado, 30 de janeiro de 2016

O Factor Lassie

O Factor Lassie (ou the Lassie-Factor, em jargão científico)


Aviso: a teoria Factor-Cão assenta no total empirismo, este amplamente certificado pela comunidade científica desde o século XVIII. Os dados que a comprovam baseiam-se no estudo de 10.326 casos de indivíduos do sexo masculino, casados ou em união de facto, com uma margem de erro de 0,0009%. Fonte: Encantanúmeros Lda.




Esta mensagem é para as amigas formigas que, por motivos alheios à sua razão, se apaixonam por quem nunca - mesmo chovendo burros alentejanos - o devem fazer: o homem casado.

Ao contrário da fêmea-formiga, o consorte é, por natureza, acomodado. Se alguma de nós atina com o lar a esboroar-se, logo nos mudamos para um T0, antes que a laje do T6 nos caia em cima. O nosso macho-casado, pelo contrário, descobre o canto mais confortável por entre as ruínas, para ali arrastar o sofá (dos que já revelam uma covinha), onde volta a instalar-se como se nada lhe dissesse respeito. Mais uma vez, fica o aviso: trata-se de uma constatação de base absolutamente empírica, mas com cinco décadas de ininterrupta observação. Através da mesma, porém, assisti a casos em que são eles a sair de casa. A carne é fraca e quanto mais bonita for a carne, mais fraca a deles se torna . Ou seja, mudam-se outro sofá, quiçá acompanhados de uma versão mais jovem da companheira anterior. Mesmo assim, apenas em 0,000001% dos casos, esta se trata de uma mudança definitiva.

Cão de raça Collie
Tal infinitésima taxa de sucesso deve-se ao Factor Lassie. Imagine-se o amado-casado de malas feitas e a porta aberta. De súbito, por esta mesma porta...entra uma enorme e carente Lassie! No derradeiro momento da decisão, ele vacila, vacila ao ponto de tombar de costas pela força afectuosa do canídeo a lamber-lhe as bochechas. A porta fecha-se e, caras e imprudentes formigas, creiam em mim, com o vosso amado-casado fechado do lado de dentro.

Mas porquê ser um cão a prendê-lo? Porque não uma criança recém-nascida? Ora, ao ponto de comodismo apontado no terceiro parágrafo deste texto, a formiga-macho já deverá ter a descendência bem crescida e emancipada. A Síndrome do Ninho Vazio instalou-se, entretanto, juntamente com uma leve, mas insidiosa depressão. A companheira, sempre mais vivaça e atenta (outro facto!), vai ao abrigo de cães mais próximo e eis que o ninho parece voltar a encher-se. O laço recompõe-se, ruínas à parte. A Lassie o, como qualquer cão que se preze, também encontra o seu lugar no sofá (o mesmo da covinha) e as promessas feitas em leito clandestino esvaem-se, lambidela atrás de  lambidela.


O Factor Lassie resume-se mais ou menos a isto: o amor incondicional prometido no altar e arruinado por anos de convivência de duas escovas de dentes, desloca-se para aquela criatura de quatro patas. A ordem amorosa restabelece-se por via desta operação, tão simples, quanto eficaz. Tire-se o chapéu à consorte.

Ainda não descobri qualquer feitiço para anular o Factor Lassie. Humildemente, aponto três Encantamentos:

-Encantamento #1: ao primeiro sinal de Factor Lassie na roupa do vosso amado-casado (pelos, perfume a ração), perguntem-lhe se algum dos filhos entrou no programa Erasmus; sendo a resposta afirmativa, executem o

- Encantamento #2: recuperem o saco de ginástica dele, o mesmo utilizado para trazer o conhecido "kit básico de higiene" e encham-no de brinquedos para animais de estimação. Devolvam-no com um sorriso maroto. Caso ele não entenda a mensagem (!), passem para o infalível

-Encantamento #3: durante o cigarro pós-sexo anunciem candidamente, "Quero adoptar um animal de estimação. Um "collie", tipo "Lassie", estás a ver?  Leva-lo à rua quando estiveres cá...fofinho". Se o amado-casado der uma desculpa para se levantar de rompante e vestir-se, deixem-no sair e rumem logo à agência de viagens mais próxima. O que os olhos não vêem, coração não sente.

Caras amigas formigas: saiam do carreiro das amantes, às quais se prometem Paraísos com as cores melosas das capas da literatura de cordel. Nenhuma de vós está livre do Factor Lassie. Entre outros 456.365 factores, ainda pouco estudados, mas igualmente devastadores.

Palavra de Encantadora!

domingo, 17 de janeiro de 2016

Uma campanha triste

O preço da Liberdade é a vigilância eterna. Thomas Jefferson


Já dizia alguém (o senso-comum?) que não podemos obter resultados diferentes ao fazer algo da mesma maneira. Resultados diferentes e, no mínimo, empolgantes, pedem acções que contrariem o marasmo e a sua amiga mais íntima, a desesperança. Novos resultados pedem, no mínimo, acções criativas. Tudo isto para dizer que tenho acompanhado, 
bastante disfarçada, a Campanha para as novas Eleições Presidenciais. Meti um capote às costa e misturei-me com os estudantes de Coimbra para ouvir uma serenata a uma cândida candidata. Virei o capote do avesso, pus-lhe uma gola e ala para o Alentejo. Introduzi-me à socapa num grupo de cante alentejano e pude observar outro candidato, em tempos padre e com muitíssimo mais sexappeal do que o agora político. Também me desloquei às feiras onde, qual David Attenbourough, espreitei por entre os molhos de couves e alfaces o candidato mais hiperactivo, que hiperactivamente beijava crianças e idosos. E, claro, assisti a mais um comício-pastel-de-bacalhau do candidato com os piores dirigentes de campanha de sempre: além de juntarem as iniciais do nome do homem de forma a compor uma onomatopeia, não contentes com o serviço ainda lhe compuseram um hino com resquícios de canção de intervenção pós-25 de Abril. Podia contar como foi com os restantes candidatos a Presidente da República, mas só de pensar em continuar a discorrer sobre tal assunto, abre-se-me a boca num bocejo de espantar aves e rinocerontes.

Em resumo: existe algo demasiado pequeno, maçudo e, pior, suburbento (de subúrbio), na  antiga super-potência chamada Portugal dos Descobrimentos. As tripulações que rumavam em direcção ao desconhecida, à imagem dos cosmonautas e astronautas actuais, regressavam com menos de metade dos seus homens. O mesmo sangue corre nas  veias do povo que hoje morre, sem glória, nos corredores dos hospitais nacionais. Somos os mesmos, mas os nosso líderes, no passado recente, só nos desiludem pela sua incapacidade de nos unir em prol de um Bem Maior. As naus apodrecem no cais, sem rumo, sem rei, sem ver rosto que dê rosto à Pátria. Morrem cidadãos em prol de nada. E a resposta que damos às famílias enlutadas e empobrecidas é uma Campanha triste, bisonha, igual a todas a que já assistimos. O que promete um futuro Presidente triste, bisonho e semelhante a um actor a quem dão um velho papel nada condizente com o cenário actual. Nenhum milagre, nenhuma magia pode acontecer de Encantamentos mal-feitos e pior, com os mesmos maus resultados do Passado. Sem pós de fada, ninguém voa. Sem um Líder dotado, pelo menos, de bom-senso para demitir dirigentes de Campanha inaptos, adivinha-se um Futuro na paz de um barco-fantasma. 

Os Comícios-comes-e-bebes, os bailaricos, as feiras, as serenatas, os hinos e coros...tudo um enorme e triste déja vu. Caras amigas, conterrâneas formigas, quando veremos cumprir Portugal? 

domingo, 10 de janeiro de 2016

Brownies democráticos - a receita!

Se não sois capaz de um pouco de feitiçaria, não vale a pena meter-vos em cozinheiro

Colette 


O aspecto não devia iludir: cubos de bolo de chocolate maciço com cobertura e raspas de merengue prometiam bastante. Éramos três, sentados num daqueles Grand Café com empregados de avental comprido: esta vossa Encantadora, um primo (igualmente feiticeiro) das florestas do Norte e...a minha mãe. Abra-se aqui um parênteses: a minha progenitora, formiga fora do carreiro, sempre manteve uma relação difícil com a comida. Recusa-se a cozinhar, ao mesmo tempo que raramente gosta do que come. Quando a ouvi também pedir um brownie suspirei. A primeira garfada iria saber-lhe bem. A segunda menos, a terceira menos ainda. Podia o chef ter ganhado uma estrela Michelin, que sobre as migalhas ela decerto comentaria algo depreciativo. Fechem-se os parêntesis: vieram os brownies, acompanhados pelo chá e a ilusão de afinal sermos três burgueses do século XIX a aproveitar o super-inglês chá das cinco. 

Ingenuamente, cheguei a crer num turnning point, un coup de théatre, e escutar da boca da minha mãe um elogio ao brownie encomendado. O meu primo exultava (acha a comida do Norte insípida), eu devorava o chocolate proibido (até as melhores encantadoras por vezes se submetem a dietas prosaicas - desconheço um feitiço de emagrecer). A senhora minha mãe, esta depenicava.

Abra-se um novo parênteses: embora raramente goste do que ingere, a minha mãe simplesmente adora vir comer à minha cabana. "Ai, a tua comidinha! Gosto tanto da tua comidinha", constituindo o diminutivo afinal o elogio maior, uma chuva de aplausos retumbante após uma sessão de Ópera. Mas o cenário era agora o do Grand Café. E os brownies não tinham saído do meu forno revestido a encantamentos antigos. Costumo levá-los, à casinha materna, na minha cesta de capuchinho vermelho. Pelo caminho vou distribuindo alguns pela vizinhança, incluindo o Lobo Mau, os Três Ursos, os Sete Anões (a Branca de Neve, como é do conhecimento publico, casou-se, divorciou-se e vive nas Laranjeiras) e um ou outro amigo, daqueles que só devolvem os tupperwares passado uma década.

De regresso ao Grand Café e a aguardar o esperado anti-clímax relativamente à qualidade dos brownies. Com a respiração suspensa, eu e o meu primo do Norte escutámos sentença de morte aos bolos chiques: "Estes não são assim tão bons..." (olha a novidade!), mas o humor daquela que me deu à luz, a par da sua rejeição aos tachos, é igualmente lendário. Assim rematou o comentário: "Prefiro os brownies democráticos! São mais fofos." Lá se foi o encantamento ilusório do Grand Café através do riso descontrolado, meu e do meu primo. Brownies democráticos! Brownies democráticos!  Os vulgares. Os das pastelarias de bairro. Os que se distribuem ao povo. Chamar democrático a um brownie equivale a associar o adjectivo "popular" a um Grand Magasin parisiense - aliás, algo que ela já fez.

Os meu brownies, em resultado do atrás descrito, são largamente democratizados. Durante alguns anos mantive a receita centenária guardada no meu Livro de Encantamentos. Hoje, perante a evidência desta ser de Brownies Democráticos, largo mão do segredo em atenção às minhas queridas formigas. Eis a receita:

2 Cx de farinha; 2 Cx de açúcar; 1 Cx de chocolate (ou cacau) em pó; 1 Cx e 1/4 de leite; 2 col. de chá de fermento em pó; 6 col. de sopa de manteiga; 3 ovos.

Misturar o açúcar, a manteiga e uma chávena de farinha até ficar em creme. Misturar à parte a outra chávena de farinha, o chocolate e o fermento. Junta-se esta à outra mistura, peneirando-a aos poucos e alternando com os ovos e o leite. Deitar num tabuleiro muito bem untado e cozer em forno médio por 3/4 hora. Deixa-se arrefecer e corta-se em cubos. Distribuem-se democraticamente pela comunidade.