domingo, 10 de janeiro de 2016

Brownies democráticos - a receita!

Se não sois capaz de um pouco de feitiçaria, não vale a pena meter-vos em cozinheiro

Colette 


O aspecto não devia iludir: cubos de bolo de chocolate maciço com cobertura e raspas de merengue prometiam bastante. Éramos três, sentados num daqueles Grand Café com empregados de avental comprido: esta vossa Encantadora, um primo (igualmente feiticeiro) das florestas do Norte e...a minha mãe. Abra-se aqui um parênteses: a minha progenitora, formiga fora do carreiro, sempre manteve uma relação difícil com a comida. Recusa-se a cozinhar, ao mesmo tempo que raramente gosta do que come. Quando a ouvi também pedir um brownie suspirei. A primeira garfada iria saber-lhe bem. A segunda menos, a terceira menos ainda. Podia o chef ter ganhado uma estrela Michelin, que sobre as migalhas ela decerto comentaria algo depreciativo. Fechem-se os parêntesis: vieram os brownies, acompanhados pelo chá e a ilusão de afinal sermos três burgueses do século XIX a aproveitar o super-inglês chá das cinco. 

Ingenuamente, cheguei a crer num turnning point, un coup de théatre, e escutar da boca da minha mãe um elogio ao brownie encomendado. O meu primo exultava (acha a comida do Norte insípida), eu devorava o chocolate proibido (até as melhores encantadoras por vezes se submetem a dietas prosaicas - desconheço um feitiço de emagrecer). A senhora minha mãe, esta depenicava.

Abra-se um novo parênteses: embora raramente goste do que ingere, a minha mãe simplesmente adora vir comer à minha cabana. "Ai, a tua comidinha! Gosto tanto da tua comidinha", constituindo o diminutivo afinal o elogio maior, uma chuva de aplausos retumbante após uma sessão de Ópera. Mas o cenário era agora o do Grand Café. E os brownies não tinham saído do meu forno revestido a encantamentos antigos. Costumo levá-los, à casinha materna, na minha cesta de capuchinho vermelho. Pelo caminho vou distribuindo alguns pela vizinhança, incluindo o Lobo Mau, os Três Ursos, os Sete Anões (a Branca de Neve, como é do conhecimento publico, casou-se, divorciou-se e vive nas Laranjeiras) e um ou outro amigo, daqueles que só devolvem os tupperwares passado uma década.

De regresso ao Grand Café e a aguardar o esperado anti-clímax relativamente à qualidade dos brownies. Com a respiração suspensa, eu e o meu primo do Norte escutámos sentença de morte aos bolos chiques: "Estes não são assim tão bons..." (olha a novidade!), mas o humor daquela que me deu à luz, a par da sua rejeição aos tachos, é igualmente lendário. Assim rematou o comentário: "Prefiro os brownies democráticos! São mais fofos." Lá se foi o encantamento ilusório do Grand Café através do riso descontrolado, meu e do meu primo. Brownies democráticos! Brownies democráticos!  Os vulgares. Os das pastelarias de bairro. Os que se distribuem ao povo. Chamar democrático a um brownie equivale a associar o adjectivo "popular" a um Grand Magasin parisiense - aliás, algo que ela já fez.

Os meu brownies, em resultado do atrás descrito, são largamente democratizados. Durante alguns anos mantive a receita centenária guardada no meu Livro de Encantamentos. Hoje, perante a evidência desta ser de Brownies Democráticos, largo mão do segredo em atenção às minhas queridas formigas. Eis a receita:

2 Cx de farinha; 2 Cx de açúcar; 1 Cx de chocolate (ou cacau) em pó; 1 Cx e 1/4 de leite; 2 col. de chá de fermento em pó; 6 col. de sopa de manteiga; 3 ovos.

Misturar o açúcar, a manteiga e uma chávena de farinha até ficar em creme. Misturar à parte a outra chávena de farinha, o chocolate e o fermento. Junta-se esta à outra mistura, peneirando-a aos poucos e alternando com os ovos e o leite. Deitar num tabuleiro muito bem untado e cozer em forno médio por 3/4 hora. Deixa-se arrefecer e corta-se em cubos. Distribuem-se democraticamente pela comunidade.

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